A luz trêmula na sala do computador aguçava os zunidos que rondavam a aridez da janela noturna, e lá fora, montueiros de muros anônimos. Era a cidade nova. No ar “Tarde em Itapuã”, o único elemento desconexo àquele universo tipicamente burguês. Alguns besouros e poucos cheiros. Os instrumentos de trabalho ainda estavam sobre a mesa, e as sandálias da Arezzo viradas, espalhadas pelo chão. Eu não compunha aquele cenário bagunçado, mas era aquela a música hostil que a vida me propora.
Os dois últimos anos foram o hibernar inquietizador no mais tórrido dos invernos, nos mais gélidos verões. Quem chega a Eunápolis demora entender a emergência de seus paradoxos pré-adolescentes.
Eunápolis, em toda a sua emergência, urgia, carecia, necessitava. E eu, ainda mais passageira do que tudo ao meu redor, era o Homem quebrado pelo tempo, sem os traços de idade, fugidio e imutável. E cada parte num dado momento, numa dada linguagem. Dialetos que me revelaram metonímia do ensejo de meu próprio ódio: Eu, esse Homem, sedimentar.
O burguês não tem nada nas mãos. Faltam vínculos. Faltam os laços. Falta a genealogia de uma gente sem raiz. Era o povo de passagem, do quilômetro, num estágio transitório de vida. Pois a existência, em pareceria nula, traz sempre, e cada vez mais, o abismo da solidão, do cárcere privado. E também o desejo de evolução. Era necessário sair de lá. Só. E no berço dessa solidão desci perdida. Num infortúnio acaso, como todos os andarilhos dali que compartilhavam de minha mesma história.
Não tinha poética alguma, e era isso o que mais irritava. Aquela cidade média, medíocre, sem jeito nem cor. Tantos dialetos diversos, tantos rostos esquisitos e baratos. Tanto e tão pouco. Quem era aquele povo sem dono... Estranhas, aquelas pessoas sem história.
Mas era eu, a pré-adolescente apoética, intraduzível, intransmutável. Apatia de mim mesma. Estrangeira. Odiava aquele espaço como a minha própria vida, como quem se olha no espelho e se estranha, se entranha, e cada vez mais se deixa passar. Pois era eu: a parte pelo todo. A passageira, a deserta, a chata, a monótona, a bagunceira hipócrita. Morta, anônima, inexorável, imensurável. Era eu, tudo o que me foi inevitável construir: Eunápolis.
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
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2 comentários:
Você só não será escritora se não quiser
Você só não será escritora se não quiser
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